Carlos Chagas
Ontem, as elites empresariais davam pouca importância ao pronunciamento feito na véspera pelo presidente Lula, quando enfatizou a importância dos bancos públicos e censurou a privatização do Banespa, “vendido a preço de nada” numa espécie de doação. Para dirigentes da Federação dos Bancos, da Fiesp e acólitos, tratou-se de uma pequena recaída esquerdizante do presidente, alguma coisa como a volta de uma gripe mal-curada.
Pode não ser bem assim. Porque diante do Conselho Diretor do Banco do Brasil, o companheiro-mór voltou às origens e bateu firme nas privatizações promovidas pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Reafirmou a importância do poder público gerir a economia através de seus instrumentos e até lamentou o presidente Barack Obama não dispor de bancos públicos para enfrentar a crise econômica.
Deve cuidar-se a nata do empresariado que continua sustentando as excelências do neoliberalismo recentemente escoado pelo ralo. Uma cor amarela pode estar acesa no semáforo postado no meio da Avenida Paulista. Porque se pretende ver eleita a ministra Dilma Rousseff, sabe muito bem o presidente Lula que precisará recompor discursos antigos e sacudir a poeira do conservadorismo econômico por ele adotado logo após a posse. As lideranças do PT, até pela própria sobrevivência, clamam pelo retorno ao velho combate. Tem certeza de que só assim voltarão a cair nas graças do eleitorado. Nada mais eficaz do que atacar as classes privilegiadas, aquelas que demitem e passam incólumes pelas dificuldades do trabalhador e do cidadão comum.
Continuando o processo capaz de ter sido aberto esta semana, haverá o risco de as elites empresariais serem jogadas nos braços de José Serra? Talvez não, porque o governador paulista tem muito pouco de neoliberal. Perdeu, por isso, o ministério do Planejamento, onde batia de frente com Pedro Malan e Gustavo Franco, nos tempos do sociólogo. Acabou isolado no ministério da Saúde, onde atropelou genericamente os grandes laboratórios de remédios. Poderia surpreender, se eleito. Jamais, é claro, transformando-se num anacrônico socialista, mas interrompendo o reinado dos sobas financeiros pela consciência de os tempos são outros, no planeta inteiro, onde o Estado volta a ocupar o seu lugar. Quanto a Dilma Rousseff, apesar de ter voltado a gritar e a espinafrar ministros e altos funcionários, seguirá no rumo traçado por seu mestre, quem sabe longe da fachada dos grandes bancos e das poderosas indústrias.
E não acontece nada
Pela milésima vez, Daniel Dantas é considerado réu em crimes de formação de quadrilha, organização criminosa, gestão fraudulenta e temerária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Como em situações anteriores, não vai para a cadeia, blindado que está por dois habeas-corpus concedidos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Continuará esperando esgotar-se a cachoeira de recursos judiciais capazes de esticar até a eternidade seu julgamento final.
Ele e quantos outros igualmente acusados dos mesmos delitos, gente que só faz aumentar sua fortuna às custas de burlar a lei? Mesmo assim, importa registrar um avanço no processo social, porque anos atrás nenhum juiz singular, promotor público ou delegado federal ousariam desnudar potentados como Daniel Dantas. Ao menos, a sociedade passa da defesa ao ataque, mesmo não acontecendo nada.
Prestígio por tabela
O fato de Barack Obama haver recebido Dilma Rousseff e sua comitiva, mesmo por alguns minutos, demonstra outra vez a importância que presidente americano dá ao “cara”. Foi o prestígio do Lula a abrir as portas para a candidata trocar frases protocolares com o cidadão mais poderoso do planeta.
Imagine-se, hipótese ainda remota, mas possível, o nosso presidente recebendo o Prêmio Nobel da Paz, este ano. A comenda não haveria como deixar de refletir na sucessão presidencial, para horror dos tucanos. A candidatura da ministra, mesmo custando a decolar, seguirá no vácuo da nave-mãe. Algo milimetricamente planejado há tempos. Depois, será o que Deus quiser…
Lugar parecido com o céu
Enquanto os senadores gozam férias nem tão merecidas assim, bate cabeça a comissão de funcionários do Senado encarregada de investigar os atos secretos praticados ao longo dos últimos quatorze anos. Menos porque eram 663 e agora são 544, mais porque as 200 contratações sigilosas, se foram anuladas, poderão ser recompostas em trinta dias. Trata-se da recontratação de servidores sem concurso antes e agora. E ainda surge um risco: as demissões feitas por ato secreto, abrangendo número menor do que as contratações, também ficariam sem valor? Nesse caso, os falsos demitidos teriam direito a receber atrasados e demais vantagens, para só depois, por atos ostensivos, serem mandados passear. Muitos senadores já disseram que o lugar mais parecido com o céu é o Senado. Tinham razão.