Nova isenção de IR alivia pouco: é a falsa bonança da classe média brasileira

Charge do Jota A. (portalodia.com)

Pedro do Coutto

A proposta de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês tem sido apresentada pelo governo como um alívio para a classe média e como estímulo à economia. Segundo reportagem de Vinicius Neder e Nathan Martins em O Globo, as projeções indicam que essa medida pode liberar até R$ 28 bilhões em consumo em 2026. Mas projeções são hipóteses, não realidade material. E, no Brasil, a chamada classe média é menos uma faixa de renda e mais uma condição instável.

Considerar que ela vai de R$ 5 mil a R$ 7.350 mensais é um exercício generoso de classificação. Entre aluguel, escola, plano de saúde, transporte, alimentação e o custo de viver nas grandes cidades, o que se costuma chamar de “renda disponível” para esse grupo é uma ficção que se dissolve no dia 10 de cada mês.

ANSIEDADE – Como observam economistas como Thomas Piketty, essa classe vive a ansiedade permanente da queda: não é suficientemente rica para acumular patrimônio, nem suficientemente pobre para acessar políticas sociais estruturadas. Vive no fio da navalha.

Ao mesmo tempo, enquanto o assalariado comemora a possibilidade de algum respiro, setores empresariais se movimentam rapidamente para proteger margens de lucro. As medidas compensatórias que o governo estuda — como a tributação de lucros e dividendos distribuídos — já colocaram escritórios, consultorias e departamentos financeiros em alerta para antecipar pagamentos e reorganizar fluxos de caixa.

Assim, o alívio fiscal para quem vive do trabalho tende a ser acompanhado por estratégias articuladas para blindar ganhos do capital. O que se observa é o mesmo conflito estrutural descrito ao longo de mais de um século de estudos econômicos: quando o Estado desloca o pêndulo em direção ao trabalho, o capital reage para preservá-lo.

PROJETO DE SOCIEDADE – É por isso que discutir a isenção não é apenas debater eficiência tributária. É discutir qual projeto de sociedade queremos sustentar. Se o Estado renuncia à tributação sobre quem ganha menos, mas não enfrenta as formas de renda que operam fora da lógica salarial — como lucros, heranças e ganhos financeiros — o resultado final tende a ser um alívio curto seguido de uma recomposição fiscal que volta a recair justamente sobre quem vive do trabalho.

Consumo não é movido apenas por mais renda, mas por expectativa: as pessoas consomem quando acreditam que terão futuro, estabilidade e horizonte. E essas três coisas não se constroem com medidas pontuais, mas com política pública contínua, capacidade industrial, educação de qualidade e serviços básicos acessíveis.

REFORMA TRIBUTÁRIA – A isenção até R$ 5 mil é importante, mas não altera a estrutura que produz desigualdade e instabilidade no país. Sem uma reforma tributária profunda que integre patrimônio, renda financeira e herança no centro do debate, continuaremos girando no mesmo eixo: a classe média comemora migalhas de alívio, o capital reorganiza suas engrenagens para não perder retorno, e o Estado volta, mais cedo ou mais tarde, a buscar compensações onde é mais fácil arrecadar — nos salários.

No fim, a escolha não é fiscal, é moral. É decidir se o Brasil continuará a proteger o patrimônio antes das pessoas, ou se finalmente será capaz de construir uma economia que permita a quem trabalha viver com alguma segurança e possibilidade de ascensão.

5 thoughts on “Nova isenção de IR alivia pouco: é a falsa bonança da classe média brasileira

  1. Defasagem acumulada da tabela do IRRF ultrapassa os 150% desde 1996

    A defasagem na correção da tabela do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) no Brasil é um problema histórico e significativo, que faz com que os contribuintes paguem mais imposto ao longo do tempo, pois seus salários são corroídos pela inflação, mas as faixas de tributação não são ajustadas proporcionalmente.

    Percentual da Defasagem

    Estudos recentes (final de 2024 e início de 2025) de entidades como o Sindifisco Nacional e a Unafisco apontam que a defasagem acumulada da tabela do IRRF desde 1996 (ano em que o reajuste automático pela inflação foi interrompido) ultrapassa os 150%, podendo chegar a 167% dependendo do período e índice de inflação considerados.

    Essa defasagem penaliza principalmente a classe média e os trabalhadores de rendas mais baixas, que acabam entrando em faixas de tributação mais elevadas, ou até mesmo na faixa de contribuição, mesmo com o poder de compra do seu salário diminuído.

  2. Pior é tratar o resgate das contribuições a ” Previdência Social ” por anos a fio , como beneficio e renda após comprido o tempo de contribuições , cobrando-nos IRPF .

  3. Era lorota: 80% dos que ganham até R$5 mil já não pagam IR, dizem especialistas
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    Cláudio Humberto

    O governo Lula (PT) não divulga o número exato de pessoas que serão de fato beneficiadas pela tão alardeada “isenção do imposto de renda até R$5 mil por mês”. A conta é simples. A projeção do governo é que existem 10 milhões de pessoas na faixa de renda (R$3.001 a R$5.000) a beneficiadas pelo projeto de Lula e cia. Entretanto, o governo petista não revela quantas já têm deduções suficientes para já possuírem a “isenção na prática”. Especialistas como o Dr. Gabriel Vieira, advogado tributarista sócio do Grupo GSV, estimam que isso deve superar os 80% do total.

    Para inglês ver

    O tributarista Vieira estima que a maior parte dos que ganham até R$5 mil “de forma efetiva não sentirão financeiramente essa alteração”.

    Muitas categorias

    Deduções incluem contribuição previdenciária, dependentes, despesas médicas, odontológicas, planos de saúde, com instrução, entre outras.

    Maioria se encaixa

    A taxa real em renda de R$5 mil, sem deduções, é 6,7% (R$335,15), segundo a Receita. Dois dependentes, por exemplo, deduzem R$379,18.

    Outro exemplo

    Quem ganha R$5 mil/mês e paga pensão alimentícia de R$350 já tem, na prática, a isenção do IR; 100% da pensão é descontada do imposto.

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