Carlos Chagas
A moda parece secular e agora entra em nova ebulição: a culpa de tudo o que de ruim acontece na política é da imprensa. São os meios de comunicação que inventam mentiras, lançando-se em campanha contra as instituições e seus representantes.
Essa última saraivada de asneiras deve-se a gente de peso, como José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor e, da qual não escapa o próprio presidente Lula. Quando as coisas apertam para eles, a solução é acusar a imprensa, como tem acontecido nos últimos dias. Querem “notícias boas” em vez de “notícias más”, imaginando que a informação possa ser adjetivada de acordo com a reação de quem a recebe. Vestem o figurino de vítimas e não hesitam em desfigurar episódios e personagens do passado.
Tome-se os exemplos dados por eles esta semana:
Getúlio Vargas teria sido levado ao suicídio por ampla conspiração da mídia, a serviço de interesses escusos e anti-nacionais. Pode até ser verdade que a maioria dos jornalões, em 1954, insurgia-se contra as iniciativas nacionalistas do então presidente, disposto a diminuir a submissão do Brasil a interesses alienígenas. Mesmo assim, a blitz contra Vargas só entrou em seu período agudo depois de descoberta a participação da Guarda Pessoal do Catete no atentado contra Carlos Lacerda e, mais ainda, revelado o exagerado patrimônio financeiro do tenente Gregório Fortunato. Sem falar na contratação confirmada de um pistoleiro que, em vez de matar o jornalista, matou um oficial da Aeronáutica.
João Goulart também se viu alvo de ampla campanha dos jornais, rádios e televisões, mola mestra da sensibilização da opinião militar que o derrubou. Também é inegável, mas terá a imprensa criado fatos como os da rebelião dos marinheiros, do estimulo pelo governo à quebra da hierarquia nas forças armadas, do assalto ao poder pelos integrantes do Comando Geral dos Trabalhadores e da confusão em que se transformaram a economia e a administração? Foram esses acontecimentos, mostrados nas folhas, nas telinhas e nos microfones que contribuíram para o golpe militar. Sem eles, Jango teria concluído seu mandato.
Fernando Collor, tantos anos depois, teria sido deposto e obrigado à renúncia por ação da mídia? Ou tudo não começou pela denúncia de seu irmão Pedro, a respeito das lambanças do PC Farias e da arrogância da República das Alagoas em ignorar o Congresso e os partidos políticos?
José Sarney torna-se a bola da vez, mas teria a imprensa criado os atos secretos do Senado, inventado as nomeações fisiológicas de seus funcionários, tirado do nada o nepotismo, o mau uso das passagens aéreas ou os desvios de verbas públicas para atividades privadas da família Sarney? Quem transformou a coisa pública em patrimônio privado? Os repórteres, os colunistas, os editoriais e as notícias divulgadas a partir de gravações, denúncias e evidências óbvias de corrupção?
Sendo assim, conclua-se: o presidente do Senado tem todo o direito de defender seu cargo, de resistir e de lutar contra adversários que o querem ver pelas costas por razões políticas e partidárias. Mas não poderia, de jeito nenhum, responsabilizar os meios de comunicação pela crise. Não raro a imprensa exagera. Em muitos casos haverá razões ocultas e obscuras para o exercício de sua atuação, mas acusá-la de criar fatos, não dá para aceitar. Muito menos admitir iniciativas para censurá-la, até com a conivência do Judiciário.
O PT sumiu
Coisa estranha foi a ausência da bancada do PT da sessão do Senado onde se discutiu a situação do presidente José Sarney. Apenas Eduardo Suplicy deu o ar de sua graça, mesmo assim por quinze minutos. Os demais escafederam-se. Sumiram para não ter que concordar com Pedro Simon, de um lado, ou com Renan Calheiros e Fernando Collor, de outro. Que José Sarney tivesse se retirado da direção dos trabalhos, ainda se admite. Caso permanecesse teria de ouvir diatribes e acusações de corpo presente, obrigando-se a reagir e incendiando ainda mais os debates, ou ficar calado e passar por fraco.
Mas o PT não comparecer foi mais do que esperteza. Foi omissão. Covardia. Ou seus senadores apóiam a permanência do presidente do senado no cargo, ou reafirmam o conteúdo da nota onde opinaram pelo seu afastamento. Fugir da definição foi um vexame.
Comemoração polêmica
O Congresso realizou sessão solene, terça-feira de manhã, em comemoração aos dez anos da criação do ministério da Defesa. Foram discursos sem conta em homenagem às Forças Armadas e até elogios ao ministro Nelson Jobim e aos três comandantes.
Parecia uma festa, não apenas no céu, mas na terra e no mar. O diabo é que ninguém teve coragem de denunciar haver sido a criação do ministério da Defesa um ato de revanchismo contra os militares. Foi a forma encontrada pelo então presidente Fernando Henrique para fazer média com os radicais de esquerda, retirando Exército, Marinha e Aeronáutica da mesa de debates do governo. Nossa tradição histórica foi abalada em nome de um ajuste de contas atrasado e defasado. Porque será sempre bom notar que mesmo obrigados ao espírito de corpo, os oficiais generais de 1995, como os de hoje, eram tenentes e aspirantes em 1964. Nenhuma responsabilidade tiveram pelos atos de maus chefes que durante 21 anos ocuparam o poder. Nem com seus acertos. Mas foram punidos a posteriori, mesmo depois que as Forças Armadas adotaram postura exemplar, afastando-se das questões políticas e engolindo sapos em posição de sentido.
A criação do ministério da Defesa em nada contribuiu para o desenvolvimento e a melhoria do estamento castrense. Para integrar as três forças já existia o Estado-Maior das Forças Armadas. Pelo contrário, o ministério da Defesa submeteu os militares à liderança de civis desinformados de seus problemas e de suas concepções, muitos nomeados por razões políticas.
Construindo uma catedral
É milenar a história do rei que perguntou a três pedreiros o que estavam fazendo, já que realizavam o mesmo trabalho. O primeiro respondeu que ganhava o seu dia de salário. O outro, que lapidava pedras. O terceiro afirmou estar construindo uma catedral. Assim poderiam responder deputados e senadores se alguém lhes perguntasse sobre suas atividades. Uns ganham os vencimentos e não raro as mordomias. Outros cumprem seu dever de representar o eleitorado. Mas sempre haverá os que dirão estar construindo a nação. São esses os que poderão salvar a desgastada imagem do Congresso, caso venham a dedicar-se a reformar as instituições, começando pela deles. O problema é que exprimem, no máximo, um terço do conjunto. Quem sabe com as eleições do ano que vem a proporção possa ser alterada.