Um triste olhar, que enleva e que assombra, na poesia de Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa, poeta mineira

Paulo Peres
Poemas & Canções

A poeta mineira Henriqueta Lisboa (1901-1985), no soneto “Olhos Tristes”, tem a sensação de uma despedida através de renúncias repetidas.

OLHOS TRISTES
Henriqueta Lisboa

Olhos mais tristes ainda do que os meus
são esses olhos com que o olhar me fitas.
Tenho a impressão que vais dizer adeus
este olhar de renúncias infinitas.

Todos os sonhos, que se fazem seus,
tomam logo a expressão de almas aflitas.
E até que, um dia, cegue à mão de Deus,
será o olhar de todas as desditas.

Assim parado a olhar-me, quase extinto,
esse olhar que, de noite, é como o luar,
vem da distância, bêbedo de absinto…

Este olhar, que me enleva e que me assombra,
vive curvado sob o meu olhar
como um cipreste sobre a própria sombra.

Gil e Torquato envolvidos na geleia geral, cujo nome passaria a ser Tropicália…

Caetano celebra Torquato Neto: era um amigo inspiradíssimo e inspirador - Cidadeverde.com

Torquato e Gil, sempre inspirados

Paulo Peres
Poemas & Canções

O artista plástico, cineasta, ator, jornalista, poeta e letrista piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972) é considerado um dos principais letristas do movimento Tropicalista, conforme mostra a letra de “Geléia Geral” que, “representa uma síntese dos cânones do próprio movimento tropicalista, além de ser modelo de seu contorno poético”, segundo o historiador Jairo Severiano.

Torquato Neto também é o autor da ideia de um “disco movimento”, e a música “Geléia Geral” foi gravada no LP “Tropicália ou panis et circensis”, em 1968, pela Philips, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão, Capinan, os Mutantes e Rogério Duprat.

GELÉIA GERAL
Gilberto Gil e Torquato Neto

Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

A alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro
Minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV
E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

Plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz “bom dia”
E outra moça também, Carolina, da janela examina a folia
Salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

Um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido
Pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido
Voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

Bom de briga, o poema de Limongi vai em busca do afago do infinito 

Tribuna da Internet | “Quando o sonho do poeta desaparece e já não alcança a porta da alma…”

Vicente Limongi, jornalista e poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

Para o jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, finalizar um poema é semelhante às “Dores do Parto”.

DORES DO PARTO
Vicente Limongi Netto

Poema bom demora a ficar pronto
trava momentos
ilude palavras
trapaceia o raciocínio
não existe aceno mágico
para alcançar o poema perfeito
é preciso serenar o tempo
ninguém é algoz de lembranças
o belo avança sem avisar
nasce indignado
filho amado e encantado
repele impurezas
tem asas amorosas
explode sentimentos
bom de briga
vai em busca do afago do infinito

Para sonhar nesta inglória vida, é preciso viajar no ideal da pureza

Paulo Peres
Poemas & Canções

A professora e poeta paranaense Helena Kolody (1912-2004), no soneto “Sonhar”, explica o tamanho do ideal, da viagem e da pureza de que necessitamos para sonhar neste mundo.

SONHAR
Helena Kolody

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.

Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.

“Triste é viver na solidão, na dor cruel de uma paixão”, cantava Tom Jobim

Tom Jobim tem seis entre as 10 músicas mais gravadas de todos os tempos no  Brasil - Metro 1

Tom Jobim, o grande mestre da MPB

Paulo Peres
Poemas & Canções

O maestro, instrumentista, arranjador, cantor e compositor carioca Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) é considerado o maior expoente de todos os tempos da música brasileira e um dos criadores do movimento da bossa-nova, no qual compôs inúmeras músicas, entre elas “Triste”, cuja letra fala de uma paixão não correspondida que acaba em solidão. A música foi gravada no Álbum Elis & Tom, em 1974, pela Polygran.

TRISTE
Tom Jobim

Triste é viver na solidão
Na dor cruel de uma paixão
Triste é saber que ninguém
Pode viver de ilusão
Que nunca vai ser, nunca vai dar
O sonhador tem que acordar

Tua beleza é um avião
Demais prum pobre coração
Que pára pra te ver passar
Só pra me maltratar
Triste é viver na solidão

“A lua madura rola, desprendida, por entre os musgos das nuvens brancas…”

Guimarães Rosa | Citações, Ótimas palavras, PensamentosPaulo Peres
Poemas & Canções

O médico, diplomata, romancista, contista e poeta João Guimarães Rosa (1908-1967), nascido em Cordisburgo (MG), é um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos, sendo o romance “Grande Sertão: Veredas”, que ele qualifica como uma “autobiografia irracional”, a sua obra mais conhecida. Entretanto, Guimarães Rosa também enveredou pelos veios poéticos, conforme o poema “Luar”, cujos versos revelam todo o poder que a Lua exerce na imaginação, na criação e na inspiração do poeta.

LUAR
Guimarães Rosa

De brejo em brejo,
os sapos avisam:
–A lua surgiu!…

No alto da noite
as estrelinhas piscam,
puxando fios,
e dançam nos fios
cachos de poetas.

A lua madura
rola, desprendida,
por entre os musgos
das nuvens brancas…
Quem a colheu,
quem a arrancou
do caule longo
da via-láctea?…

Desliza solta…

Se lhe estenderes
tuas mãos brancas,
ela cairá…

Todo morro entendeu quando o Zelão chorou, ninguém riu nem brincou e era carnaval

Sérgio Ricardo | Não Há Mais O Que Encontrar No Que De Velho Ficamos / Vou  Renovar (Vídeo Oficial) - YouTubePaulo Peres
Site Poemas & Canções

O cineasta, artista plástico, instrumentista, cantor e compositor paulista João Lutfi (1932-2020), que adotou o pseudônimo de Sérgio Ricardo, afirma que a letra da música ”Zelão” já apresentava uma ruptura com a temática da bossa nova, pois saiu do perímetro da classe média para atingir a favela. “Zelão” ajudou a abrir as consciências de seu tempo, em torno do engajamento da arte com a justiça social. A música faz parte do LP A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo, lançado em 1960 pela Odeon.

ZELÃO
Sérgio Ricardo

Todo morro entendeu
Quando o Zelão chorou
Ninguém riu nem brincou
E era carnaval

No fogo de um barracão
Só se cozinha ilusão
Restos que a feira deixou
E ainda é pouco só

Mas assim mesmo Zelão
Dizia sempre a sorrir
Que um pobre ajuda outro pobre
Até melhorar

Choveu, choveu
A chuva jogou seu barraco no chão
Nem foi possível salvar violão
Que acompanhou morro abaixo a canção
Das coisas todas que a chuva levou
Pedaços tristes do seu coração

Todo morro entendeu
Quando o Zelão chorou
Ninguém riu nem brincou
E era carnaval

Na Quarta-Feira de Cinzas, mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade…

Pobre Menina Rica - Carlos Lyra & Vinícius de Moraes - YouTube

Vinicius e Lyra, uma dupla sensacional

Paulo Peres
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O diplomata, advogado, jornalista, dramaturgo, compositor e poeta carioca Marcus Vinícius da Cruz de Melo Moraes (1913-1980) escreveu com Carlos Lyra, em 1963, a “Marcha da quarta-feira de cinzas”. O lirismo melancólico dos foliões a espera do próximo carnaval, que imperava na letra, depois serviu também como música de protesto contra a ditadura militar de 1964. Embora consagrada pela voz de Nara Leão, essa marcha-rancho foi gravada, inicialmente, por Jorge Goulart, em 1963, pela Copacabana.

MARCHA DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Carlos Lyra e Vinícius de Moraes

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou.

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor.

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade…

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar.

Porque são tantas coisas azuis
Há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe…

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz.

A origem do Carnaval carioca e sua riqueza cultural, na poesia de Paulo Peres

Tribuna da Internet | Uma canção inspirada no sertão de Guimarães Rosa e no  tempo/destino

Paulo Peres homenageia o Crnaval

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor, letrista e poeta carioca Paulo Roberto Peres, nos poemas “Samba Na Escola e Zeca-José, fala de partes históricas do carnaval carioca.

SAMBA NA ESCOLA
Paulo Peres

Grandes sociedades, ranchos, blocos e cordões
Através da organização, tal realeza dos salões, …
Criaram as Escolas de samba no Rio de Janeiro.
Ópera do sonho-folia do carnaval brasileiro.

Deixa Falar, primeira escola fundada
No Estácio, local de bamba, abençoada
Pelo samba de afro-baiana origem
E tempero carioca, democratizou a imagem.

Na Praça Onze, casa da Tia Ciata,
O batuque, compasso 2/4, reuniu a nata
Da malandragem, hoje, sambistas geniais.

O surdo e o tamborim rítmaram os usuais
Instrumentos e cantos, tal marcação harmonia
Fez do samba uma escola desfilando poesia.

ZECA-JOSÉ
Paulo Peres

Viva o Zé Pereira
Viva o carnaval
Batucada feiticeira
Na folia Imperial

Na memória do Brasil
Festas vindas de Portugal
Zé Pereira substituiu
O Entrudo inicial

A história transformou
Zé Pereira em José
Zeca então referendou
Seu destino (vai-e-tem)

Tal Zeca pedreiro
E José batuqueiro
Ele vai vivendo
E filhos nascendo

Tijolo em tijolo
Sonhando subir
O samba é o consolo
Prá vida curtir

Acorda o sentido
No passar repetido
Da escola de samba,
Brasileiro bamba

No trem é pingente
É Zeca pedreiro
No samba é expoente
É José batuqueiro

Vai fantasiado de fome
E de medo
Procura o seu nome
No meio do enredo

Na noite dos mascarados, diga logo quem é você, para cair nos meus braços

Noite dos Mascarados – Iso Sendacz – BrasilPaulo Peres
Site Poemas & Canções

O cantor, escritor, poeta e compositor carioca Chico Buarque de Hollanda, na letra de “Noite dos Mascarados”, descreve o encontro de duas pessoas no carnaval que procuram um grande amor. Essa marcha-rancho foi gravada no LP Chico Buarque de Hollanda – Vol. 2, em 1966, pela RGE. 

NOITE DOS MASCARADOS
Chico Buarque

– Quem é você?
– Adivinha, se gosta de mim!
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
– Quem é você, diga logo…
– Que eu quero saber o seu jogo…
– Que eu quero morrer no seu bloco…
– Que eu quero me arder no seu fogo.
– Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
– O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
– Eu tenho um pandeiro.
– Só quero um violão.
– Eu nado em dinheiro.
– Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
– Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
– Eu sou tão menina…
– Meu tempo passou…
– Eu sou Colombina!
– Eu sou Pierrô!
Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.
Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser! 

A imensa tristeza da porta-bandeira, ao saber que logo será substituída

Acadêmicos do Grande Rio 🐆 on X: "Nosso primeiro casal de mestre-sala e  porta-bandeira, Daniel Werneck e Taciana Couto, representou “A criação”.  Conta, no mito da criação, que Olodumaré confiou a Oxalufã

Toda porta-bandeira é sempre maravilhosa

Paulo Peres
Site Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta carioca Paulo César Francisco Pinheiro, na letra de “A velhice da porta-bandeira”, em parceria com Eduardo Gudin, registra que a vida partilha alegrias e tristezas enquanto o tempo passa e, nas escolas de samba, há sempre outra porta-bandeira a espreitar. Esse samba foi gravado no LP “O importante é que a nossa emoção sobreviva”, em 1974, pela Odeon, por Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro e a cantora Márcia, alcançando repercussão nacional com o disco e os shows realizados por diversos estados.

A VELHICE DA PORTA-BANDEIRA
Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro

Ela renunciou
A Mangueira saiu, ela ficou
Era porta-bandeira
Desde a primeira vez
Por que terá sido isso que ela fez?

Não, ninguém saberá
Ela se demitiu, outra virá
Ninguém a viu chorando
Coisa tão singular
Quando a bandeira tremeu no ar

Ô… quando toda avenida sambou
O seu mundo desmoronou
Ela se emocionou
Perto dela ela ouviu, alguém gritou:
“Viva a porta-bandeira”,
“Sou eu”, ela pensou
Mas foi a outra quem se curvou

Ô… quando toda avenida sambou
O seu mundo desmoronou
Ô… quando a porta-bandeira passou
Quem viu
Ela se levantou e aplaudiu

“Eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor”, cantava Zé Kéti

Zé Keti e Nara Leão no show Opinião em 1965 | Música brasileira, Mpb, Nara

Zé Keti e Nara Leão no show Opinião em 1965

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Zé Kéti, nome artístico de José Flores de Jesus (1921-1999), sentiu a sua carreira começar a deslanchar em 1955, quando seu samba “A voz do morro”, gravado por Jorge Goulart, pela Continental, fez enorme sucesso na trilha do filme “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos.

“A Voz do Morro” mostra em sua letra que o samba é a única voz valorizada no morro, transformada em um condutor de alegria do Rio de Janeiro para o resto do país.

A VOZ DO MORRO
Zé Kéti

Eu sou o samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei dos terreiros

Eu sou o samba
Sou natural daqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo a alegria
Para milhões
De corações brasileiros

Mais um samba, queremos samba
Quem está pedindo é a voz do povo do país
Viva o samba, vamos cantando
Essa melodia do Brasil feliz

A revolta contra a exploração humana, na poesia satírica de Gregório de Mattos

O poeta Gregório de Mattos, o "Boca do Inferno", teve ordem de prisão após dois séculos de sua morte! | Espaço Literário Marcel ProustPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Gregório de Mattos Guerra (1636-1695), alcunhado de “Boca do Inferno ou Boca de Brasa”, é considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período colonial. Gregório ousava criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a “cidade da Bahia”, ou seja, Salvador, como neste poema “Triste Bahia”.

TRISTE BAHIA
Gregório de Mattos

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos.
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

Um amor incondicional ao povo brasileiro, na obra poética de Gilberto Freyre 

Poeticamente, o sociólogo Gilberto Freyre acreditava num outro Brasil que  vem aí… - Flávio ChavesPaulo Peres
Poemas & Canções

O sociólogo, antropólogo, historiador, pintor, escritor e poeta pernambucano Gilberto de Mello Freyre (1900-1987), além de se consagrar como um estudioso da história e da cultura do país, também dedicou-se à poesia. É bem verdade que aquele que se dedica a ler com atenção seus livros pode perceber o dom literário do sociólogo, cuja habilidade na escrita torna atraentes os temas que aborda em seus estudos.

“O outro Brasil que vem aí “ é um poema que traz a defesa das singularidades nacionais que estão presentes em seus textos sobre a formação da sociedade brasileira e é uma amostra do dom literário que o sociólogo possuía. Iniciando-se com os versos “Eu ouço as vozes / eu vejo as cores / eu sinto os passos / de outro Brasil que vem aí”, Freyre projeta para sua nação o desejo de ver seu pleno desenvolvimento social, de estar numa terra onde pessoas de todas as origens sociais possam ser donas de seus próprios destinos. O poema, além de ser uma aula sobre a brasilidade, é um fragmento de esperança lançado pela pena de Gilberto Freyre.

O OUTRO BRASIL QUE VEM AÍ
Gilberto Freyre

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí. 

Como dizia Taiguara, ninguém pode ser bom sendo o que não é 

Taiguara: a voz mais censurada pela ditadura, por Carlos Motta -

Taiguara, um grande compositor romântico

Paulo Peres
Poemas & Canções                  

O cantor e compositor Taiguara Chalar da Silva (1945-1996) nascido no Uruguai durante uma temporada de espetáculos de seu pai, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva, na letra de “Piano e Viola” compara seu estado emocional com o dia chuvoso e ensina que ninguém é bom sendo o que não é. A música está no LP Taiguara, Piano e Viola lançado, em 1972, pela EMI-Odeon.

PIANO E VIOLA
Taiguara

Olhando um dia de chuva
Vi que o mais triste era eu
Que sem estrela e sem lua
Te procurava no céu
Fiz do piano a viola
Fiz de mim mesmo o amigo
Fiz da verdade uma história
Fiz do meu som meu abrigo

Quem canta fala consigo
Quem faz o amor nunca quer ferir
Quem não fere vive tranquilo
Vê muita gente sorrir

E quem não tiver do seu lado
A quem ama e quer ver feliz
Não diga que não se importa
Diga só o que o amor lhe diz

Essa mentira é uma espuma
Que se desmancha no ar
E deixa n’água um espelho
Pra você se ver chorar

Sorriso bom, só de dentro
Ninguém é bom sendo o que não é
Eu, pra ser feliz com mentira
Melhor que eu chore com fé

E quem não tiver do seu lado
A quem ama e quer ver feliz
Não diga que não se importa
Diga só o que o amor lhe diz

Essa mentira é uma espuma
Que se desmancha no ar
E deixa n’água um espelho
Pra você se ver chorar

Um diploma de Nordestino, assinado pela grande mestre Geraldo do Norte

Geraldo do Norte: a história do nordestino da Rádio Nacional - YouTube

Geraldo do Norte canta o nosso sertão

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, declamador, letrista e poeta Geraldo Ferreira da Silva, nascido em Parelhas (RN), mais conhecido como Geraldo do Norte, “O Poeta Matuto”, em suas poesias aborda sempre temas regionais, como a vida no sertão, o trabalho do vaqueiro, as festas religiosas, além de denunciar problemas sociais, como a fome e o preconceito contra o nordestino, e homenagear grandes nomes da região, como neste poema “Diploma de Nordestino”. 

DIPLOMA DE NORDESTINO
Geraldo do Norte

Deus quando criou o mundo,
fez uma obra completa,
como um poema matuto, feito pelo Deus poeta.
Destes que sai redondo, metrificado profundo,
que nem precisa de teste.
Fez rios, vales e serras, Terra e sementes da Terra:
fez uma obra de mestre!

O planisfério terreno, com todos os continentes.
Vales grandes e pequenos, regiões frias e quentes!
Oceanos Pacífico e Ártico.
Atlântico, Índico e Antártico.
Ecossistema perfeito, com tudo quanto é vivente.
Lavas, girinos, sementes; a essência do bem feito.

No curso da natureza vieram os conquistadores.
Manipularam riquezas, dilapidaram valores.
Pelo mar plantaram, pela terra escravizaram
e, em nome do progresso, poluem, desmatam,
agridem, prostituem, matam e denigrem,
virando o mundo do avesso!

Sei que Deus pensou em tudo
na hora de fazer o mundo.
O Seu pequeno descuido foi dar asas a vagabundo.
Que expulso do paraíso, fez tudo que foi preciso
para pagar sua parcela
e é através dos humanos, que continuam cobrando,
juros e juros em cima dela!

Faz parte da Natureza, desde Caim e Abel.
Por gozo, fama e riqueza nosso limite é o céu.
Deus fez o mundo perfeito:
o povo veio desse jeito para ver se passa no teste,
mas deixo neste segundo,
a grande história do mundo,
para falar do meu Nordeste!

É um mundo dentro d’outro,
como se fosse a maquete.
O que há de mais profundo;
podem fazer uma enquete,
que as raças mais resistentes,
e eu falo de bicho e gente,
sem desmerecer ninguém, mas nas outras religiões,
ninguém tem as privações, que o nordestino tem.

Em toda a velha glamura, tu não verás nada igual.
Lendas, costumes, bravuras,
para o bem o para o mal.
Tem que nascer na miséria para ser Maria Quitéria,
Padim Ciço ou Lampião;
porque Deus fez o Nordeste para oficina de teste
e vestibular de sertão.

O Brasil sem o Nordeste, é um time sem goleiro;
um aluno sem seu mestre ou um galo sem terreiro;
uma casa sem criança, um povo sem esperança,
um vaqueiro sem cavalo.
Uma noite sem estrela,
um rio sem cachoeira
ou uma flor sem orvalho!

É como um divisor de águas; difícil até de falar;
tem a beleza da lágrima, a bravura do marruá!
É pedra de fazer aço, cozida pelo mormaço
de caldeira de sol quente;
é a saga de um povo,
que nem Deus fazendo de novo,
fazia tão resistente!

Diploma de nordestino não se compra em faculdade:
se arranca do destino com luta, força e vontade,
afrontando a própria sorte e troféu de cabra forte,
que levanta quando cai,
não aceita desaforo e nem põe anel de ouro,
em dedo de papagai.

As trovas de Zé Limeira, as rimas de Patativa,
são cultura de primeira e sertaneja nativa.
Leonardo Motta e Cascudo
deixaram para ser estudo,
livros e livros de história
e Catulo fez canção, como Luar do Sertão,
 para ficar na memória.

Às vezes tentam mostrar, outro Nordeste que existe:
feio, violento e vulgar, mas as tradições resistem.
Elomar, Vital Farias, os congressos de poesia,
nossa festa de São João e não vai ser uns infelizes,
que vão podar as raízes,
plantadas por Gonzagão.

Cultura não é quinquilharia!
Rapina não é conquista.
Dom não se compra em padaria:
Gigolô não é artista,
política não é negócio, vendas não é sacerdócio,
vício nunca foi virtude!
Mentira não tem verdade, esmola não é caridade
nem religião, plenitude!

E quando o povo acordar, droga não der inspiração.
Vagabundo não mandar, o herói não for ladrão.
Prostituição, sucesso. Promiscuidade, progresso
e Deus tiver absoluto,
eu vou estar no meu cantinho,
fazendo com muito carinho,
mais um poema matuto!

A importância de resistir às agruras dessa longa vida curta, segundo Socorro Lira

LAVRAPALAVRA : A cantora e compositora Socorro Lira conseguiu, com  maestria, musicar os versos do moçambicano Mia Couto

Socorro Lira exibe a alegria de viver

Paulo Peres
Poemas & Canções

A psicóloga, cantora e compositora paraibana Maria do Socorro Pereira, conhecida como Socorro Lira, expressa seus sentimentos através da música que constrói o “Tema de um Brinquedo Chamado Viver”. Esta música faz parte do CD Cantigas, lançado por Socorro Lira, em 2001, produção independente.

TEMA DE UM BRINQUEDO CHAMADO VIVER
Socorro Lira

Uma canção me faz feliz
É a canção toda nascida
Dessa vida, dessa vida
Uma canção me faz sorrir
É a canção toda emoção
Do coração que quer cantar
A longa vida curta, a dura lida, a luta
Dessa gente que não para de sonhar

Uma canção me faz sofrer
É a canção da dor que mata
E que maltrata, que maltrata
Uma canção que faz chorar
O coração doer
Que faz roer dentro do peito
De algum jeito, qualquer jeito
Qualquer jeito, o que ainda restar

Uma canção me faz pensar
É a canção comprometida
Com a vida, com esta vida
Uma canção que nasce assim
Tem toda força, enfim
Do nosso grito
Do infinito amor que agita
E nos incita, e nos incita
E nos convida a continuar          

Para Sidney Miller, um bom argumento era cantar um samba antigo

Sidney Miller Especial | Musicograma | TV Brasil | Cultura

Sidney Miller, excelente compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor e cantor carioca Sidney Álvaro Miller Filho (1945-1980) apresenta um “Argumento” de respeito, ao dizer que vai cantar uma samba antigo, para entender o que há de novo. Este samba foi gravado em 1967 no LP Sidney Miller, Série Elenco.

ARGUMENTO
Sidney Miller

Peço o seu consentimento
Pra falar do sentimento
Que eu guardei na melodia
Pois o samba que apresento
Não é coisa de momento
E nem é só filosofia
Quando o samba vem do peito
Como de fato e de direito
Não tem corte nem coroa
Mas merece o meu respeito
Que eu não quero e não aceito
Batucar um samba à toa
Não vê que minha profissão
Não é fazer intriga
Que meu violão não compra briga
Ninguém faz cantiga
Pra se aborrecer
Só quero lhe dizer com toda honestidade
Que só faz um verso de verdade
Quem tiver verdades pra dizer
Se você disser agora
Que eu cheguei fora de hora
Que meu samba nasce morto
Que essa bossa foi de outrora
Que meu barco foi-se embora
E agora é dono de outro porto
Vou pensar que assim prossigo
Porque quero e nem te ligo
Pois cantando eu me promovo
Ouça bem o que eu lhe digo
Vá cantar um samba antigo
Pra entender o que há de novo

O modo exato de se desculpar poeticamente, segundo Flora Figueiredo

Flora Figueiredo - a poética da vivência | Templo Cultural Delfos

Flora Figueiredo, em curtas palavras, o poema

Paulo Peres
Poemas & Canções

A tradutora, cronista e poeta paulista Flora Figueiredo, no poema “Atitude”, mostra como se pode pedir desculpas poeticamente.

ATITUDE
Flora
Figueiredo

Esse seu silêncio
soa como um grito,
abafado em panos.
Só faz denunciar os danos que causei.
Desculpe o mau-jeito,
mas comporto, em minha quota de defeitos,
não levar junto os enganos que eu amei.

Uma mulher muito especial, que fez Ferreira Gullar entender tudo

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Thereza Aragão, Gullar e a amiga Mary Ventura

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta maranhense José Ribamar Ferreira, o famoso Ferreira Gullar (1930-2016), no poema “Menos a Mim”, confessa que conhecia tudo, menos ele próprio. Todavia, depois que encontrou uma mulher muito especial, descobriu que nada conhecia.

MENOS A MIM
Ferreira Gullar

Conheço a aurora com seu desatino
Conheço o amanhecer com o seu tesouro
Conheço as andorinhas sem destino
Conheço rios sem desaguadouros
Conheço o medo do princípio ao fim
Conheço tudo, conheço tudo
Menos a mim.

Conheço o ódio e seus argumentos
Conheço o mar e suas ventanias
Conheço a esperança e seus tormentos
Conheço o inferno e suas alegrias
Conheço a perda do princípio ao fim
Conheço tudo, conheço tudo
Menos a mim.

Mas depois que chegaste de algum céu
Com teu corpo de sonho e margarida
Pra afinal revelar-me quem sou eu
Posso afirmar enfim
Que não conheço nada desta vida
Que não conheço nada, nada, nada
Nem mesmo a mim.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG Somente quem conheceu Ferreira Gullar pode entender a força desses versos. A gente marcava o ponto toda noite no restaurante Calipso, em Ipanema, que ficava ao lado do Zeppelin. Ninguém dizia “vamos sentar na mesa do Ferreira Gullar”. A gente falava “vamos sentar na mesa da Thereza Aragão”, a mulher dele. A mesa era redonda, não tinha cabeceira, mas era Thereza quem comandava a roda e iluminava a noite. (C.N.)