Pedro do Coutto
Dificilmente alguém na esfera econômica vai se deparar com uma situação mais absurda da que existir uma empresa –Sacris Consultoria- cuja atividade volta-se para intermediar empréstimos consignados em folha entre servidores do Senado e diversas bancos, entre eles a Caixa Econômica Federal, segunda agência financeira do país, e o HSBC, estabelecimento de primeira linha, inclusive patrocinador do Jornal Nacional da Rede Globo. Quase impossível acreditar, mas é verdade.
Agravando o panorama, já envolto por uma sequência de escândalos, a Sacris Consultoria tem como um dos sócios José Adriano Cordeiro Sarney, neto do presidente do Senado, e ex presidente da República José Sarney. Ele mesmo. A matéria, objeto de excelente reportagem de Rodrigo Rangel e Rosa Costa. O Estado de São Paulo de ontem, 25/06, focaliza os porões de crédito consignado, cujas articulações eram feitas diretamente pelo ex diretor adjunto da Câmara Alta, João Carlos Zeghbi, evidentemente em sintonia com o ex diretor geral, Agaciel Maia. Incrível, absolutamente incrível.
Espanta, sobretudo, a presença do HSBC e da CEF na engrenagem, ao lado de bancos menores como o Fibra, Daycoval, Finasa e Paraná Banco. A que ponto chegam as coisas. A que ponto chega a volúpia do lucro fácil e escancarado. Desde quando, estabelecimentos de crédito necessitam de intermediação para liberar créditos pessoais? Desde nunca. Basta ver que o volume de empréstimos circulando no país atinge 1 trilhão e 100 bilhões de reais. Cifra inclusive acima da massa salarial paga por ano, que é de 800 bilhões. Então, qual a explicação para o fenômeno? Não existe. Significa um claro atentado à lógica. Os próprios bancos abrem linhas de crédito a torto e a direito.
Recorrem a intermediários? Só os que aceitaram negociar com o Senado Federal e sua administração, agora substituída, tantos e tão graves acusações pesam contra ela.
Mas Agaciel e Zoghbi são funcionários. Como os senadores podiam desconhecer os passos que moviam, nas sombras, à margem da Mesa Diretora do túnel do tempo que divide as Casas do Congresso? Ninguém poderá acusar o senador José Sarney de conivência, claro. Mas sim de omissão. Será que pessoa alguma entre as tantas de sua amizade pessoal não levou a ele os fatos que estavam se passando? A pergunta fica no ar.
Mas ela independentemente da resposta, acentua a falta de nitidez que, em Brasília, no Parlamento, divide a linha do público e do particular. Para muitos, essa linha não existe. Passa-se de um lado para outro, sempre com prejuízo do interesse coletivo, com a maior facilidade e rapidez. O déficite, tão moral quanto financeiro, sobretudo ético, vai se acumulando ao longo do tempo. Os casos são infindáveis. A cada dia que passa aparece um novo episódio a emergir das águas do lago que embeleza a Praça dos Três Poderes. Os desonestos moviam-se com a leveza dos cisnes que lá estão.
Na véspera do escândalo da presença do José Adriano Cordeiro Sarney entre os sócios da Sacris Consultoria, desvendou-se a existência de contas secretas operadas pela administração do Senado junto à Caixa Econômica Federal. Os objetivos de tais contas, suas movimentações e destinos, ainda estão por ser reveladas. Dificilmente poderá ser. Caso contrário, não haveria a necessidade de tais contas serem ocultas. No meio de tal vendaval, torna-se precária a posição do senador José Sarney na presidência do Poder Legislativo. Ele próprio haverá de reconhecer que, pelo menos, chegou a hora de se afastar e sair do palco central da crise. Caso contrário, sua biografia, pela qual tanto se empenha, será tisnada por ele próprio. Intermediação para conceder empréstimos pessoais? Essa não.