
Quatro políticos de destaque, que nada têm de democratas
Fabiano Lana
Estadão
Do ponto de vista de como deveria se organizar a nova ordem mundial, o presidente Lula da Silva, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o americano Donald Trump e o russo Vladimir Putin possuem muito mais semelhanças do que admitem seus cegos e mesmo ponderados admiradores. Todos esses políticos se opõem a uma ordem liberal que tenha como pilares o multilateralismo, fronteiras abertas e o livre comércio. Querem de volta um mundo baseado em líderes fortes, populistas, com suas áreas de influência.
Um tira-teima dessa tese foram os elogios de Lula a Trump, no último fim de semana, sobre a questão ucraniana. “Eu poderia ser radical contra Trump, mas na medida que o Trump toma a decisão de discutir a paz entre Rússia e Ucrânia, que o Biden deveria ter tomado, eu sou obrigado a dizer que o Trump está no caminho certo”, disse Lula, em entrevista coletiva no Vietnã.
INVADIDA E DERROTADA – Caminho certo para a paz, traduza-se: a Ucrânia, como país invadido, perde uma parte de seu território para os invasores. E, segundo esses neorrussófilos, ainda teve a sorte de não sucumbir completamente.
Como justificativa, entre outras, mesmo agredido, o país teria ido longe demais ao pleitear entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), assim como já fizeram países como Polônia, Croácia, Albânia e, mais recentemente, a Suécia.
A Rússia alega estar sendo cercada pelo ocidente num discurso ecoado por autoridades como o vice-presidente americano J. D. Vance e o conselheiro internacional do presidente Lula, Celso Amorim (esses também, irmanados). Mas que tal pensar que seja o contrário?
MUSEUS DE OCUPAÇÃO – Nos pequenos países bálticos, por exemplo (Estônia, Letônia, Lituânia), a soberania se mantém apenas devido à aliança militar externa. Em todas essas nações há, inclusive, “museus da ocupação” em que se contam os horrores que sofreram na mão dos russos – incluindo o envio dos “inimigos” aos gulags – os campos de concentração soviéticos.
Sabem que, se não estiverem com uma proteção externa consistente, não sobrevivem. Mas para invocar uma metáfora que remete ao machismo, a Ucrânia teria “utilizado a saia curta” ao flertar com a OTAN, e por ir isso mereceu ser agredida.
Nesse caso, tanto Lula, Bolsonaro, Trump e, por certo, Putin, tendem a concordar.
O QUE LULA QUER? – Mas vamos nos concentrar no Brasil um pouco. Lula quer mesmo a paz? É o seu objetivo final? Se a gente olhar a história pelas lentes de certos pensadores como Friedrich Nietzsche, a resposta é não.
O que Lula pretende com seus posicionamentos é obter mais poder, aumentar as credenciais internas e externas, e, no fundo, beneficiar principalmente a si mesmo.
“Ao fazer o bem e fazer o mal a outros, exercitamos neles o nosso poder – é tudo o que queremos nesse caso!”, escreveu o pensador alemão, no livro “A Gaia Ciência” (A citação está na página 64 da edição de 2005 da Companhia das Letras).
A SAÍDA EXTERNA – Podemos especular também que, impopular no front interno, Lula tenta novamente se apresentar como poderoso do ponto de vista internacional.
De um lado, além de todo ranço contra a globalização, hoje representada mais pela Europa do que pelos EUA, o petismo/lulismo ainda abriga certa nostalgia dos países totalitários da chamada Cortina de Ferro – oponente da OTAN – então liderada pela União Soviética.
A queda do muro de Berlim, em 1989, e a dissolução desse grupo comunista, é um trauma não superado pela nossa esquerda. Não é sem razão que Lula quer ir à Rússia em maio, nas comemorações dos 50 anos do final da Guerra Mundial, mesmo que hoje Putin seja procurado pelo Tribunal Penal Internacional.
CONTRA A UCRÂNIA – Do outro lado do espectro ideológico na nossa polarização tupiniquim, com a eleição de Trump os bolsonaristas de redes passaram imediatamente a apoiar todas as ambições do americano, inclusive sobre como deve ser feita a paz na Ucrânia – com a sessão do território para os russos. Portanto, temos lulistas e bolsonaristas juntos contra os interesses de um país europeu.
Bolsonaro não esconde a posição de submisso a Trump. Tenta espelhar suas ações e ideias. Em suas franjas, o bolsonarismo sonha com uma espécie de retaliação do governo atual dos Estados Unidos contra a inevitável condenação de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal pela malfadada tentativa de golpe de Estado.
Aparentemente, essa é uma das missões do filho 03, Eduardo Bolsonaro, no autoexílio americano.
ANTILIBERAIS – Enfim, Lula, Bolsonaro, Trump e Putin mostram as verdadeiras faces e os verdadeiros inimigos. Todos os que, principalmente nos anos 90, sonharam com uma ordem liberal, multilateral e global.
Na época, chegaram até a afirmar que seria o ápice (ou o fim) da História – Período em que os mandatários eram FHC, por aqui, Bill Clinton, nos EUA ou Tony Blair, na Inglaterra. Os tempos mudaram.
Hoje os líderes – os países mais e menos poderosos – são, em geral, mais paranoicos e desconfiados uns dos outros. Se irão prosperar em suas convicções, só a História pode nos dizer.