
Assessoria jurídica orientou Motta a recorrer ao próprio STF
Marianna Holanda e Cézar Feitoza
Folha
Três dias depois de a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) formar unanimidade pela derrubada de uma manobra da Câmara dos Deputados a favor do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), reagiu e anunciou uma ação para levar o caso ao plenário da corte.
A corte barrou na última semana resolução aprovada pelos parlamentares que suspenderia a ação penal sobre a trama golpista e que poderia beneficiar outros réus além de Ramagem, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
RESPEITO À CÂMARA – Em rede social, nesta terça-feira (13), Motta afirmou que ingressou com uma ação “para que prevaleça a votação pela suspensão da ação penal contra o deputado Delegado Ramagem”.
“Por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a ser julgada pelo plenário do STF, esperamos que os votos dos 315 deputados sejam respeitados. A harmonia entre Poderes só ocorre quando todos usam o mesmo diapasão e estão na mesma sintonia”, disse.
A ação apresentada pelo presidente da Câmara defende que a decisão da Primeira Turma do Supremo que suspendeu só uma parte do processo contra Ramagem pela trama golpista é uma ofensa aos preceitos fundamentais previstos na Constituição.
SUSPENSÃO INTEGRAL – Ele pede que, em resposta, o plenário do STF analise o caso e decida pela “integral suspensão, exclusivamente em relação ao deputado federal acusado, da tramitação da Ação Penal n. 2.668/2025 e da prescrição até o término de seu mandato”.
Na ação, o presidente da Casa afirma que o Supremo invadiu a competência da Câmara dos Deputados e comprometeu a harmonia entre os Poderes ao restringir a suspensão do processo contra Ramagem somente pelos crimes de dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Motta defende na ação que cabe à Câmara “definir a extensão a ser dada no caso concreto”. Por essa tese, o Supremo não poderia limitar a atuação da Casa mesmo com os impedimentos previstos na Constituição.
INDEPENDÊNCIA – “A imunidade parlamentar tutela o próprio Parlamento como instituição essencial e imprescindível ao Estado democrático de Direito diante de eventuais arbitrariedades dos demais Poderes, de modo que não caberia a esses impor ao Parlamento sua última palavra quando está em questão a própria proteção das Casas Legislativas diante das demais instituições estatais”, diz.
Motta vinha dizendo em conversas reservadas querer agir com responsabilidade para evitar um atrito entre os Poderes, mas ressaltou que, por terem sido de 315 votos a favor da medida, buscaria dar uma resposta aos pares.
Ele está nesta semana nos Estados Unidos para participar, em Nova York, de um fórum de discussões com empresários organizado pelo Lide e de outro preparado pelo Esfera Brasil.
DEFENDER POSIÇÃO – O chefe da Câmara tem sido cobrado, sobretudo pela oposição, a defender a posição do Parlamento no caso. Antes de a Casa suspender a ação penal, o STF já havia notificado a Câmara seu entendimento de que a ação só poderia ser suspensa contra Ramagem e pelos crimes que ele teria cometido após a diplomação, em dezembro de 2022.
Após a deliberação dos deputados, a Primeira Turma do Supremo derrubou no final de semana os efeitos do projeto, por 5 votos a 0.
Os deputados afirmam que paralisar a ação é uma prerrogativa deles, já que Ramagem é parlamentar. Os ministros do STF, por sua vez, mantiveram o entendimento manifestado anteriormente.
CINCO CRIMES – Ramagem, assim como os demais 33 denunciados na trama golpista, é alvo de ação por cinco crimes, dos quais dois teriam ocorrido depois da diplomação dele, em dezembro de 2022: dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Os outros três são associação criminosa armada, golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito. Ele foi diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo anterior.
A aprovação da medida na Câmara abriu caminho para o trancamento de processos contra outros parlamentares no STF (Supremo Tribunal Federal). O PL pediu à Casa que também suspenda a ação contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP) pela suposta invasão hacker ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
ATÉ JUSCELINO – Com base nisso, também foi mencionada a possibilidade de solicitar a paralisação do processo contra o ex-ministro das Comunicações Juscelino Filho (União Brasil-MA), se confirmado o recebimento da denúncia contra ele pelo Supremo.
Juscelino foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) sob a acusação de desvio de emendas parlamentares, o que levou à queda dele do ministério do governo Lula (PT).
A ação apresentada nesta terça é mais um capítulo da tensão entre os Poderes. Motta tem sido pressionado pela ala bolsonarista da Câmara a pautar a urgência de um projeto de anistia aos réus dos ataques de 8 de janeiro de 2023, o que ele resiste a fazer. A aprovação da proposta a favor de Ramagem, ocorrida na quarta-feira (7), foi lida como um gesto a esse bloco político. A iniciativa teve votos inclusive de partidos da base de Lula, como MDB, União Brasil e PSD.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O Supremo errou no caso de Ramagem e deveria ter respondido à Câmara dizendo que os outros réus, sem mandato, não poderiam ser excluídos. Mas o STF insistiu em incluir Ramagem e causou essa confusão toda. Cada um dos poderes precisa respeitar seus limites. (C.N.)