“No Rancho Fundo” marca a genialidade de Ary Barroso e Lamartine Babo

A cantora Elisinha Coelho, a mãe de Goulart de Andrade

Elisa Coelho foi a primeira a gravar

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, músico e compositor mineiro Ary de Resende Barroso (1903-1964) e o advogado e compositor Lamartine de Azeredo Babo, na letra de “No Rancho Fundo”, falam das desilusões amorosas de um cantor humilde na cidade grande. O samba-canção “No Rancho Fundo” foi gravado por Elisa Coelho, em 1931, pela RCA Victor.

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NO RANCHO FUNDO
Lamartine Babo e Ary Barroso

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade contam coisas da cidade
No rancho fundo, de olhar triste e profundo
Um moreno conta as mágoas tendo os olhos rasos d’água
Pobre moreno, que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro tendo o cigarro por companheiro
Sem um aceno ele pega da viola
E a lua por esmola vem pro quintal deste moreno

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria nem de noite nem de dia
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza enche de trevas a natureza
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno para uma casa de sapê

Uma reflexão poética sobre a importância da Páscoa no mundo cristão

Tribuna da Internet | No colo da mãe natureza, Paulo Peres criou versos nas nuvens do ateliê do vento

Peres, poeta, letrista e compositor carioca

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor e poeta carioca Paulo Roberto Peres, no poema “Páscoa”, faz uma reflexão sobre o significado deste acontecimento para a Humanidade.

PÁSCOA
Paulo Peres

Há mais de dois mil anos,
Jesus Cristo tentou
Mostrar à Humanidade
Uma vida melhor,
Mas a ignorância
Da maior parte da população,
Incentivada
Pelos poderes da época,
Mercenários e imperialistas,
Como os de hoje,
Impediram-no…

Houve sofrimento,
Houve lágrimas,
Houve escuridão…
Todavia,
Houve sabedoria,
Houve fé,
Houve busca,
Houve perdão,
Houve salvação,
Houve liberdade,
Houve luz
Houve RESSURREIÇÃO!

Ressurreição diária
Que existe na PÁSCOA
Do coração
De quem tem como dogma
Os Mandamentos
Da Justiça Divina!

Um chamado para melhorar o mundo, no “Sal da Terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Beto Guedes | Spotify

Guedes compôs muito com Ronaldo Bastos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, produtor musical e compositor Ronaldo Bastos Ribeiro nascido em Niterói (RJ), mostra no título da música “Sal da terra” uma passagem bíblica, quando Jesus diz aos homens “vós sois o sal da terra”, ou seja, aquilo que dá sentido, sabor ao mundo. Logo, a letra retrata um mundo que pede socorro, pois está sendo maltratado pela má administração do homem.

É um chamado para melhorar a Terra, “vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois”. O que precisamos fazer para mudar a situação, é conscientizar a população de que a natureza é a nossa casa, nossa mãe, se ela morrer, morreremos com ela.

“O Sal da Terra” é uma obra tão genial que poderia ser inserida na nossa Constituição, além de ser tocada e cantada pelo país inteiro em todas as épocas que virão à nossa frente, porque representa um “louvor ao nosso chão e teto naturais, a percorrer o espaço vazio”. A música “Sal da Terra” foi gravada por Beto Guedes no LP Contos da Lua Vaga, em 1981, pela EMI-Odeon.

O SAL DA TERRA
Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Anda!
Quero te dizer nenhum segredo
Falo nesse chão, da nossa casa
Vem que tá na hora de arrumar…

Tempo!
Quero viver mais duzentos anos
Quero não ferir meu semelhante’
Nem por isso quero me ferir

Vamos precisar de todo mundo
Prá banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor
A felicidade mora ao lado
E quem não é tolo pode ver…

A paz na Terra, amor
O pé na terra
A paz na Terra, amor
O sal da…

Terra!
És o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro
Tu que és a nave nossa irmã

Canta!
Leva tua vida em harmonia
E nos alimenta com seus frutos
Tu que és do homem, a maçã…

Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Prá melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois…

Deixa nascer, o amor
Deixa fluir, o amor
Deixa crescer, o amor
Deixa viver, o amor
O sal da terra

A mulher proletária, na visão de Jorge de Lima, fabricava máquinas humanas

JORGE DE LIMA - POEMASPaulo Peres
Poemas & Canções

Jorge Mateus de Lima (1893-1953) foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor. O poema “Mulher Proletária” é uma reflexão sobre a cultura patriarcal vigente na sociedade no preâmbulo do Século XX. Consequentemente, critica o capitalismo por explorar trabalhadores e transformá-los em máquinas e, neste contexto, a mulher é a própria sociedade que fabrica filhos em grande número, máquinas humanas que serão transformadas em braços para manter a elite.

MULHER PROLETÁRIA
Jorge de Lima

Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
Tu, na tua superprodução de máquina humana.
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.

Bandeira pensou que ia morrer e criou seu “último poema” com muita antecedência

É tocante e vive, e me fez agora... Manuel Bandeira - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário e de arte, professor de literatura, tradutor e poeta Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) quando jovem teve tuberculose  e, consequentemente, passou a vida inteira com a ideia de que morreria em breve, mas viveu até seus 82 anos, razão pela qual “O Último Poema” e muitos outros de sua autoria carregam a melancolia e a sensação de sempre estar à espera do pior.

Vale ressaltar que versos curtos, pensamento objetivo, liberdade no uso das palavras, simplicidade na escrita, ironia e a crítica são características do modernismo que aparecem no poema, que também nos mostra a realidade em “flores sem perfume”, “soluço sem lágrimas” e o improvável quando fala sobre “ilusão”.

Além disso, o título do poema nos indica como Manoel Bandeira gostaria de ser lembrado, conforme revela o último verso todo seu pensamento. Mas também ao citar a paixão dos suicidas ele nos conta sobre a falta de sentido, sobre o paradoxo que é nosso caminho pela vida. Sobre ilusão e desilusão.

O ÚLTIMO POEMA
Manoel Bandeira

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

A piedosa mentira de Del Picchia, diante dos sofrimentos do amor

MENOTTI DEL PICCHIA – FRASES – Pão de Canela e ProsaPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, tabelião, advogado, político, romancista, cronista, pintor, ensaísta e poeta paulista Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988) mostra o seu total conhecimento sobre o amor e o sofrimento que pode acarretar quando se desfaz. São coisas  nem a “Piedosa Mentira” pode esconder.

PIEDOSA MENTIRA
Menotti De Picchia

Ontem na tarde loura e de aquarela,
alguém me perguntou: “Como vai ela?
Como vai teu amor?” – Eu respondi:
“Não sei. Uma mulher passou na minha vida,
mas não lembro…”. E nessa hora comovida,
como nunca lembrava-me de ti!

E menti por pudor… A mágoa que alvoroça
nosso peito é tão santa, tão pura, tão nossa
que se esconde aos demais.

E se uma voz indaga contristada:
“Estás sofrendo?” – “Não, não tenho nada…”
E é quando a gente sofre mais…

E as águas de março vieram mais uma vez, fechando o verão de Jobim…

No Brasil é tudo importado: eu, você, a língua, os índios, a cana-de-açúcar e o café.... Frase de Tom Jobim.Paulo Peres
Poemas & Canções

O maestro, instrumentista, arranjador, cantor e compositor carioca Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) é considerado o maior expoente de todos os tempos da música brasileira e um dos criadores do movimento da bossa nova.

A letra de “Águas de Março” é basicamente descritiva, repertoriando uma série de elementos que visam construir a atmosfera desencadeada pelas chuvas num ambiente mais rural.

“Águas de Março” é uma das canções mais representativas da trajetória de Tom Jobim como compositor, cuja primeira gravação saiu em um compacto encartado no semanário “O Pasquim”, em 1972. A música contaria depois com a célebre gravação em que Tom fez em dueto com Elis Regina, no disco “Elis & Tom”, gravado em Los Angeles e lançado em 1974.

ÁGUAS DE MARÇO
Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o MatitaPereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando,
É uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,
É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, minho
Resto, toco, oco, inho
Aco, vidro, vida, ó, côtche, oste, ace, jó

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

As mulheres que Toninho Geraes amou foram cantadas por Marinho da Vila

Toninho Geraes, um grande cidadão do samba

Paulo Peres
Poemas & Canções 

O cantor e compositor mineiro Antônio Eustáquio Trindade Ribeiro, conhecido como Toninho Geraes, revela na letra de “Mulheres” que, após ter vários tipos de mulheres, sem encontrar a felicidade em nenhuma delas, finalmente, encontrou a pessoa certa que um dia sonhou ter para si. Este samba foi gravado por Martinho da Vila no CD “3.0 Turbinado ao vivo”, em 1999, pela Sony Music, fazendo enorme sucesso.

MULHERES
Toninho Geraes

Já tive mulheres de todas as cores
De várias idades, de muitos amores
Com umas até certo ponto fiquei,
Com outras apenas um pouco me dei.

Já tive mulheres do tipo atrevida
Do tipo acanhada, do tipo vivida,
Casada, carente, solteira e feliz
Já tive donzela e até meretriz.

Mulheres cabeças e desequilibradas
Mulheres confusas, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas, me fez tão feliz
Como você me faz.

Procurei, em todas as mulheres a felicidade
Mas eu não encontrei, fiquei na saudade
Foi começando bem, mas tudo teve um fim.

Você é o sol da minha vida, a minha vontade
Você não é mentira, você é verdade
É tudo que um dia eu sonhei pra mim!

Em “O Ébrio”, o ápice do romantismo exacerbado de Vicente Celestino

Tribuna da Internet | Uma extraordinária canção, que virou peça de teatro,  filme e novela de televisão

Propaganda do filme “O Ébrio”, que bateu recordes de bilheteria

Paulo Peres     Poemas & Canções

O cantor (tenor), ator e compositor carioca Antônio Vicente Felipe Celestino (1894-1968) lançou um estilo caracterizado pelo romantismo exacerbado, comovendo e arrebatando um grande público durante a primeira metade do século XX, através do teatro, do rádio, de discos e do cinema nacional.

A letra dramática da música “O Ébrio”, repleta de desventuras e imagens beirando a pieguice, era uma perfeita sinopse para o enredo de um filme, desde o prólogo falado à parte musical propriamente dita. Nesta, o contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista.  

O filme “O Ébrio”, lançado em 1946, com Vicente Celestino no papel principal, obteve recordes de bilheteria.

A canção “O Ébrio” gravada por Vicente Celestino, em 1936, pela RCA Victor, também inspirou naquele ano uma peça de teatro e, em 1965, uma novela na TV Paulista. 

O ÉBRIO
Vicente Celestino

Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas acabavam fugindo com outros, deixando-me a saudade e a dor. Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu cantava A Força do Destino, ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus. Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo, me havia deixado um pedacinho de seu eu: a minha filha. Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar. Voltei novamente a cantar mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita… E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A Força do Destino, Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio…

Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro meu abrigo
Cada colega de infortúnio é um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconselham e aliviam os meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo que depunha fé
E nos parentes… confiava, sim!
E hoje ao ver-me na miséria tudo vejo então
O falso lar que amava e que a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, era um ladrão
Me abandonaram e roubaram o que amei

Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste e este triste coração
Quero somente que na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo

Uma homenagem do moderno Leminski aos poetas mais antigos

Tudo o que eu faço alguém em mim que... Paulo Leminski - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, tradutor, professor, escritor e poeta paranaense Paulo Leminski Filho (1944-1989) invoca no poema “Poetas Velhos” uma reverência aos mais antigos.

POETAS VELHOS
Paulo Leminski

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

Uma genial conversa de botequim, na criatividade de Noel e Vadico

NOEL ROSA - Discografia Brasileira

Noel Rosa, na visão do pintor Di Cavalcanti

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, músico e compositor carioca Noel de Medeiros Rosa (1910-1937), com seu parceiro Vadico, conseguiu, com ironia e sensibilidade, retratar em versos as principais características populares do Rio de Janeiro do início do século passado. Nesse sentido,  a letra de “Conversa de Botequim” é exemplo de malandros da época que conseguiam quase tudo com muita conversa fiada. Este samba teve inúmeras gravações, sendo a primeira delas feita pelo próprio Noel Rosa, em 1935, pela Odeon.

CONVERSA DE BOTEQUIM
Vadico e Noel Rosa

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d’água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol

Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa…

Telefone ao menos uma vez
Para três quatro quatro três três três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório
Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro,
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente

Um clássico de Orestes Barbosa e Silvio Caldas ‘salpicava de estrelas nosso chão’

Podcast “Canções que falam por nós” Episódio 7 – Sílvio Caldas e Orestes  Barbosa - Rádio DiarioPB | Player | Ao Vivo

Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, grandes mestres

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, escritor, compositor e poeta carioca Orestes Dias Barbosa (1893-1966) fez do samba-canção “Chão de Estrelas”, um dos maiores clássicos da MPB, gravado por Silvio Caldas, em 1937, pela Continental, cuja letra explora o sofrimento amoroso, que, aliás, é principal característica do gênero musical samba-canção, conforme explica o professor Álvaro Antônio Caretta, da Universidade de São Paulo.

Na primeira estrofe, a metáfora “palhaço” compõe, juntamente com as expressões “guizos falsos da alegria” e “fantasia”, o universo semântico da desilusão, ou seja, reconhece estar sendo iludido pelas fantasias do amor.

Na segunda estrofe, a  amada é representada pela metáfora mulher pomba-rola, a sua partida como voou e o lar de ambos como viveiro, em meio à desilusão amorosa com a partida da amada.

Na terceira estrofe, inaugura-se uma nova cena validada que abre espaço para a presença de elementos que remetem ao universo dos morros cariocas e das pessoas humildes.

Na última estrofe, a relação entre o poético e o prosaico é sintetizada pela imagem “Tu pisavas nos astros distraída”, na qual ocorre a aproximação entre o sublime “lua” e “astros”, o prosaico “nosso zinco” e “nosso chão”. 

CHÃO DE ESTRELAS
Silvio Caldas e Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões…
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações.

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou…
E hoje, quando do sol a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou.

Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival:
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional!

A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco,
Salpicava de estrelas nosso chão…
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão.

Rosa, a mulher inesquecível que enfeitiçou Pixinguinha e Otavio de Sousa

Galeria dos Bambas: Pixinguinha - Kandyru

Pixinguinha era um compositor extraordinário

Paulo Peres
Poemas & Canções 

O compositor e mecânico Otávio de Sousa, na letra de “Rosa”, parceria com Pixinguinha, expressa o mais alto refinamento do romantismo do início do século XX. Esta valsa foi gravada por Orlando Silva, em 1937, pela RCA Victor.

ROSA
Pixinguinha e Otávio de Sousa

Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu

Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza

Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer

Um poema de Adélia Prado começado do fim, no caminho do céu

A nossa gigante @euadeliaprado sobre receber o prêmio Camões. Divina! ❤️ #frase #poesia #poema #citação #adeliapradoPaulo Peres
Poemas & Canções

A extraordinária professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas não teve dúvidas ao afirmar que, um “Poema Começado do Fim” pode levar até a estrada do céu.

POEMA COMEÇADO DO FIM
Adélia Prado

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

“Metade”, uma poesia de Montenegro, que Ferreira Gullar julgou que fosse sua…

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Oswaldo Montenegro, grande cantor e poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Oswaldo Viveiros Montenegro compôs a espetacular canção “Metade”, que traduz nossa dualidade na existência, ou seja, somente somos completos no amor. Na época, o poeta e acadêmico Ferreira Gullar (1930/2016), chegou a afirmar que a música seria inspirada em seu famoso poema “Traduzir-se”, mas estava enganado.

Oswaldo Montenegro mostrou que “Metade” era anterior ao poema “Traduzir-se”, porque a letra foi impressa no libreto do show “João Sem Nome”, em 1974, quando começou a ser cantada por Montenegro, enquanto o poema “Traduzir-se”, de Gullar, só foi publicado em 1980.

Em seguida, Raimundo Fagner musicou e gravou “Traduzir-se”, e tudo acabou numa boa.

“METADE”
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

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“TRADUZIR-SE”
Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Um poema saudando a saudade, na sensibilidade de Alice Ruiz de

Artistas e pesquisadores debatem a canção popular | Unicamp

Alice Ruiz fez de sua vida um poema

Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana, Alice Ruiz Scherone, criou um poema muito especial para fazer sua “Saudação da Saudade”.

SAUDAÇÃO DA SAUDADE
Alice Ruiz

Minha saudade
saúda tua ida
mesmo sabendo
que uma vida
só é possível
noutra vida

Aqui, no reino
do escuro
e do silêncio
minha saudade
absurda e muda
procura às cegas
te trazer à luz

Ali, onde
nem mesmo você
sabe mais
talvez, enfim
nos espere
o esquecimento

Aí, ainda assim
minha saudade
te saúda
e se despede
de mim

Para o poeta Álvares de Azevedo, o amor era um sentimento arrebatador

Feliz daquele que no livro d'alma não... Álvares de Azevedo - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, ensaísta, contista e poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) declara que, através do “Amor”, deseja viver todos os momentos junto de sua amada.

AMOR
Álvares de Azevedo

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minha alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Uma desesperada canção de amor, na poesia realista de Ana Cristina Cesar

Tribuna da Internet | Ana Cristina Cesar, genial poeta, em busca de um amor cada vez mais difícilPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, tradutora e poeta carioca Ana Cristina Cruz Cesar (1952-1983) é considerada um dos principais nomes da chamada geração mimeógrafo (ou poesia marginal) da década de 1970. No poema “Samba-Canção”, Ana Cristina revela que fez tudo para conquistar seu amado, mas acabou sendo demais.

SAMBA-CANÇÃO
Ana Cristina César

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário,
cara pálida que desconhece

o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz…

Um belo argumento de Paulinho da Viola, em defesa do tradicional samba de raiz

Paulinho da Viola: 'Bolsonaro joga brasileiros... | VEJA RIO

Paulinho da Viola, grande mestre do samba

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Paulo César Batista de Faria, o Paulinho da Viola, é tido como um dos mais talentosos representantes da MPB. A letra de “Argumento” é um protesto contra a inclusão do piano nos sambas, que Benito de Paula colocava, naquela época, em que os sambistas clássicos não aceitavam a falta dos instrumentos essenciais, como cavaco, pandeiro e tamborim. Este samba, com várias gravações, faz parte do CD Meus Momentos, de Paulinho da Viola, gravado em 1999.

ARGUMENTO
Paulinho da Viola

Tá legal
Tá legal, eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim

Sem preconceito ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar

Os três momentos de liberdade no amor, na poesia de Antonio Cícero

Maria Padilha - Antonio Cicero compositor, poeta, ensaísta, crítico  literário, filósofo e escritor brasileiro. compôs: Fullgás, À Francesa,  Maresia e Ultimo Romântico, entre outras. Meu grande amigo e uma das  pessoas maisPaulo Peres
Poemas & Canções

O filósofo, escritor, letrista e poeta carioca Antonio Cícero Correa Lima (1945-2024), da Academia Brasileira de Letras, ao final de “Três” momentos, revela sua ânsia de liberdade no amor e no sexo.

TRÊS
Antonio Cícero

Um
Foi grande o meu amor
não sei o que deu
quem inventou fui eu
fiz de você o sol
da noite primordial
e o mundo fora nós
se resumia a tédio e pó
quando em você
tudo se complicou

Dois
Se você quer amar
não basta um só amor
não sei como explicar
um só é sempre demais
pra seres como nós
sujeitos a jogar
as fichas todas de uma vez
sem temer naufragar
não há lugar para lamúrias
essas não caem bem
não há lugar para calúnias
mas por que não
nos reinventar

Três
Eu quero tudo que há
O mundo e seu amor
Não quero ter que optar
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar
Sem nexo e em qualquer lugar
Com o seu sexo
Junto ao mar