Marcus André Melo
Folha
Rigorosamente falando há pouquíssimos elementos que moldam a atual conjuntura que já não estivessem presentes antes mesmo da investidura formal do atual governo. Trata-se de um governo hiperminoritário, no qual o partido do presidente detém 13% das cadeiras e cujo núcleo duro congressual não chega a 25% delas.
Os problemas fiscais foram gestados antes mesmo da própria investidura presidencial com a aprovação de expansão do gasto de R$ 150 bilhões. Essa insólita e anômala inversão — expandir gasto no início do mandato — é padrão universal e já sugeria um governo vulnerável. No derradeiro ano de governo obtém-se assim uma combinação de vulnerabilidades fiscais e políticas.
PATO MANCO – O traço principal da disputa presidencial que se inicia é o fato de que o Lula é percebido como pato manco. O termo está associado a regras institucionais que vedam a postulação à reeleição de um governante.
Tecnicamente Lula não é pato manco já que pode concorrer à reeleição. Mas muitos atores relevantes enxergam possibilidades efetivas de que não seja reeleito, quaisquer que sejam as razões para isso. O mais importante aqui são seus efeitos sobre os incentivos. Esses efeitos são semelhantes para o pato manco clássico e o “pato manco de facto”.
Em uma situação em que o presidente é minoritário e, portanto, tem que contar com uma coalizão de partidos, o poder gravitacional do presidente reduz-se significativamente na medida em que suas chances de vitória são declinantes ou nulas. Por isso, o que importa efetivamente é a tendência de popularidade e avaliação de governo. Além, obviamente, da arquitetura da escolha: quem são os adversários que em última instância irão para o segundo turno.
FROUXA COALIZÃO – Parlamentares possuem informação privilegiada sobre a questão. No caso de Lula 3, a fragmentação da frouxa e inédita coalizão de 18 partidos (eram 8 e 9, sob Lula 1 e 2) vem desde a investidura. Mas se intensificou.
Os partidos aguardam estrategicamente até o ponto em que a defecção é inevitável, para depois desembarcar do governo. O custo do apoio aumenta. Para garantir alguma governabilidade ainda em 2025 e no ano eleitoral o governo poderá compartilhar mais o governo, o que terá como consequência a diluição de sua identidade. Seria uma derrota auto-inflingida.
Para além do cafezinho frio da crônica política há sinais mais tangíveis e relevantes de desembarque da base. O mais saliente deles no atual contexto é a inédita recusa de pasta ministerial por parte de um líder partidário.0
POUCAS FOTOS – Mas o fato de que na posse do presidente do PSB nesta semana apenas 4 dos 15 parlamentares do partido da base postaram fotos com o presidente nas suas redes não passa despercebido.
O mais curioso do ponto de vista comparativo é o fato inusitado de que rivais potenciais são da própria coalizão, cujos partidos ocupam ministérios. O governo nunca foi efetivamente de coalizão no sentido forte da expressão. Não há acordos programáticos, como por exemplo na Alemanha, mas sobre a distribuição dos spoils of office, como mostrei aqui. Funciona como uma estrutura de travas mútuas cruzadas.
Como sugere a literatura sobre patos mancos e governos minoritários, o resultado só não é calamitoso se os custos da inação política (gridlock) forem menores do que os riscos de medidas por parte do Executivo.