Miguel Reale, um jurista de trajetória notável, recusou o Supremo duas vezes

As heranças filosóficas e concretas de Miguel Reale

Miguel Reale realmente tinha o “notório saber”

José Carlos Werneck

Miguel Reale, em uma entrevista, certa vez contou que o ex-presidente Ernesto Geisel era uma personalidade de um espírito muito violento e um autocrata. “A palavra talvez mais ajustada a ele seria esta, autocrata, no sentido de querer impor sempre a sua vontade, como ele demonstrou em 1977, quando quis fazer a reforma do Poder Judiciário, que foi recusada pela Câmara dos Deputados. Incontinenti, ele decretou o recesso parlamentar e impôs, por emenda constitucional, a reforma por ele desejada. Assim, ele era um homem que não compreendia determinadas atitudes”.

CONVITE RECUSADO – E lembrou de um fato acontecido com ele que demonstra bem a natureza do espírito do ex-presidente. “Ele me convidou, como já o fizera o Presidente Costa e Silva, para ser membro do Supremo Tribunal Federal, mas confesso que jamais tive vocação para juiz, ainda que da Suprema Corte”, disse, acrescentando:

“Declarei que tinha compromissos de ordem filosófica com o Instituto Brasileiro de Filosofia, que eu havia fundado e do qual era Presidente, e com o compromisso do meu pensamento, com minha vocação verdadeira de jurista e de filósofo. Enquanto Costa e Silva o compreendeu e nada disse, Geisel de certa maneira respondeu: Há certos cargos que quem é patriota não pode recusar”.

“Eu respondi: Cabe a cada um saber no que consiste o patriotismo” e conclui: “Veja bem o tipo de homem ao qual estamos nos referindo!”- narrou Reale.

DISPUTA DA VAGA – Numa época, em que vemos supostos “juristas” nada “notáveis” disputando a qualquer preço uma indicação para integrar o STF, lembramos que Miguel Reale, profundo conhecedor da Ciência do Direito, para se dedicar a fazer o que realmente gostava, recusou convites que muitos consideram indeclináveis.

Sua trajetória é realmente brilhante. Formado em 1934 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde sete anos depois já era professor e  por duas vezes reitor eleito nos períodos de 1949 a 1950 e de 1969 à 1973.

Em 1969 foi nomeado pelo presidente Artur da Costa e Silva para a “Comissão de Alto Nível”, incumbida de rever a Constituição de 1967. Ocupou a cadeira 14 da Academia Brasileira de Letras, a partir de 16 de janeiro de 1975. Escreveu coluna quinzenal no jornal “O Estado de S. Paulo”, onde discorreu sobre questões filosóficas, jurídicas, políticas e sociais da atualidade. Integrou a Academia Paulista de Letras.

OUTRAS ATIVIDADES – Foi supervisor da comissão elaboradora do Código Civil brasileiro de 2002, cujo projeto foi posteriormente sancionado pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, tornando-se a Lei nº 10.406 de 2002, novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003.

Como um dos fundadores da Academia Brasileira de Filosofia, Miguel Reale foi organizador de sete Congressos Brasileiros de Filosofia (1950 a 2002) e do VIII Congresso Interamericano de Filosofia (Brasília, 1972), relator especial nos XII, XIII e XIV Congressos Mundiais de Filosofia (Veneza, 1958; Cidade do México, 1963; e Viena, 1968).

Depois, foi conferencista especialmente convidado pela Federação Internacional de Sociedades Filosóficas para os XVI e XVIII Congressos Mundiais (Düsseldorf, Alemanha, 1978; e Brighton, Reino Unido, 1988), e organizador e presidente do Congresso Brasileiro de Filosofia Jurídica e Social (São Paulo, 1986, João Pessoa, 1988 e Paraíba, 1990).

IMPORTANTE OBRAS – Escreveu entre outros, “Filosofia do Direito’ e “Lições Preliminares de Direito”, “O Direito como Experiência”, “Horizontes do Direito e da História”, “Experiência e Cultura”, “Nos Quadrantes do Direito Positivo”, “Pluralismo e Liberdade, obras clássicas do pensamento filosófico-jurídico.

Diversos livros seus foram vertidos para outras línguas, como o italiano, o espanhol e o francês.

Dentre suas contribuições, a que lhe atribuiu maior prestígio foi a Teoria Tridimensional do Direito, apresentada primeiramente em suas obras “Teoria do Direito e do Estado” e “Fundamentos do Direito”, de 1940, quando buscou integrar três concepções de direito: a sociológica (associada aos fatos e à eficácia do direito), a axiológica (associada aos valores e aos fundamentos do direito) e a normativa (associada às normas e à vigência do direito).

Miguel Reale é um nome a ser para sempre lembrado.

14 thoughts on “Miguel Reale, um jurista de trajetória notável, recusou o Supremo duas vezes

  1. Infelizmente não consegui recuperar a fonte em que o ex-desembargador Sebastião Coelho diz que no STF há ministros que sequer foram juízes julgando juízes concursados e com carreira jurídica consolidada.

    Não é a citação exata, mas a essência é essa.

    Muito estranho mesmo.

  2. Três pizzarias brasileiras são escolhidas entre as 100 melhores do mundo

    Sr. Newton

    Por essas e outras que o Estado de São Paulo tem que separar do restante do País..e virar um Páis…., aliás, já é…….

    Separação Já….

    eh!eh!eh

    Abraço

  3. T.I. Recordar é viver.

    Dilma tornou-se ‘indigna’ de presidir o Brasil, diz Miguel Reale Júnior

    O jurista Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido que originou o processo de impeachment de Dilma Rousseff, disse nesta terça-feira (9) que a presidente não está sendo afastada “por fatos isolados de cunho fiscal, mas pela forma irresponsável que a torna indigna de exercer a Presidência da República”.

    — Esta Casa foi desrespeitada seguidamente pela presidente da República. Não é ato isolado. É forma de conduta seguidamente praticada ao longo dos anos. Desconheceu-se absolutamente qualquer prudência, qualquer cuidado com as finanças públicas. Desconheceu-se essa Casa como uma Casa de controle — afirmou, em seu pronunciamento de acusação.

    Reale Júnior destacou que o pedido de afastamento de Dilma foi assinado por três gerações de juristas (ele, a professora Janaína Paschoal e o advogado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT), e ainda pelos movimentos sociais contra a corrupção.

    — Não se trata, portanto, de iniciativa pessoal, mas defendida por milhões e milhões de pessoas que acorreram às ruas. O pedido está centrado em dois fatos: as operações de crédito ilegais e a edição de decreto de abertura de crédito sem autorização legislativa. O pedido não foi um expediente encontrado para pôr Dilma para fora da Presidência — afirmou.

    Reale Júnior lamentou que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, “por conveniência”, tenha excluído do pedido inicial o envolvimento de Dilma em relação aos fatos envolvendo a corrupção na Petrobras. Cunha queria “excluir do pedido fatos anteriores a 2012, porque ele tinha responsabilidade por fatos ocorridos em 2014”, explicou.

    — Ali se atribuía à presidente omissão dolosa, por não ter responsabilizado diretores da Petrobras que praticaram irregularidades que levaram ao pagamento de propinas em benefício do PT. Ao correr do ano, se verificou que Dilma não só tinha conhecimento dos fatos, como era madrinha dos diretores envolvidos em irregularidades que beneficiariam direta e indiretamente os desvios na Petrobras — afirmou.

    Reale Júnior frisou que a apuração de créditos ilegais e decretos editados sem autorização legislativa não são “fatos pequenos”. O jurista observou ainda que Dilma levou o Brasil “ao desastre em que o país se encontra, por meio da obscuridade e da mentira”.

    — A mentira significou uma política fiscal eleitoreira; gastos e gastos e gastos que foram sendo escondidos; uma irresponsabilidade na desoneração tributária, que alcançou volumes extraordinários de 300 bilhões, que não levaram a nada; o financiamento do Tesouro pelo BNDES, que favoreceu empresas envolvidas na Operação Lava Jato; benefícios a grandes setores industriais, sem nenhuma vantagem de desenvolvimento e criação de estrutura; e nenhuma contenção de gastos de pessoal e de finanças — afirmou.

    Reale Júnior frisou que o Senado deve acompanhar a execução orçamentária, uma vez que a instituição representa a população, conforme estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, que propõe a mais completa transparência nos gastos públicos.

    — A conta [de Dilma] fecha com o financiamento de despesas primárias da União por bancos controlados pela União. Com a ocultação desses passivos como dívida pública, estava tudo escondido. Era a contrapartida, a treva e a luz, a escuridão, que estava na ocultação. O fato mais grave que ocorreu é a falsidade ideológica do não registro dos passivos — afirmou.

    Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

    Fonte: Agência Senado

    https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/10/dilma-tornou-se-indigna-de-presidir-o-brasil-diz-miguel-reale-junior

    Observações..

    “que a presidente ”

    “pela presidente da República. “”

    • A mentira significou uma política fiscal eleitoreira; gastos e gastos e gastos que foram sendo escondidos; uma irresponsabilidade na desoneração tributária, que alcançou volumes extraordinários de 300 bilhões, que não levaram a nada; o financiamento do Tesouro pelo BNDES, que favoreceu empresas envolvidas na Operação Lava Jato; benefícios a grandes setores industriais, sem nenhuma vantagem de desenvolvimento e criação de estrutura; e nenhuma contenção de gastos de pessoal e de finanças —

  4. Nota dez para você, José Carlos Werneck, por essa mais do que justa homenagem ao jurista e filósofo, Miguel Reale.

    Eu o conheci na Academia Brasileira de Letras, na época em que era habitue da Casa de Machado de Assis. Também participei de um seminário e fiz pergunta ao também jurista, Evandro Lins e Silva, a respeito do escritor Eduardo Prado.

    O Brasil tem os maiores juristas do planeta. Pontes de Miranda, Miguel Reale, Evandro Lins e Silva, Evaristo de Moraes.

    Miguel Reale Junior, o filho de Miguel Reale, escreve artigo no jornal do Brasil quinzenalmente. Brilhante.

    Concordo Werneck, Miguel Reale deve sempre ser lembrado.

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