Por que a esquerda virou um bando de mimados e perdeu a coragem?

À procura de uma esquerda que seja contemporânea do futuro - Flávio Chaves

Charge do Duke (Arquivo Google)

Luiz Felipe Pondé
Folha

É comum se dizer que a esquerda hoje perdeu a capacidade de propor modelos mais criativos de sociedade. Outros criticam, como uma espécie de fogo amigo, que a esquerda deixou de pensar de forma mais assertiva e acabou se transformando num bando de ressentidos que gemem o tempo inteiro porque não reconhecem seus direitos de viver como plantas livres.

A esquerda teria se perdido em queixas chatinhas em vez de ir para cima do capitalismo. Eu penso que o que a esquerda perdeu não foi apenas seu objeto —a crítica e a busca da destruição do capitalismo—, mas perdeu algo mais essencial —seu método. E esse método era o bolchevique.

USO DA VIOLÊNCIA – Para uns, ela ficou civilizada. Para outros, ficou frouxa. No limite, o que quero dizer é que qualquer forma de utopia política só pode sonhar com qualquer mudança se fizer uso da violência sistemática contra seus alvos, os reacionários, defensores do status quo. Ou seja: sem guerra civil contra as forças do status quo, nada adianta. Portanto, o método bolchevique pressupõe um terror sistemático e a destruição do tecido social através de muito sangue derramado.

Que fique claro para os inteligentinhos da direita que não se trata de elogiar ou pregar o “terror vermelho” de volta, mas, sim, de tentar compreender a razão de a esquerda ter se transformado num mimimi de riquinhos e ressentidos. A esquerda de hoje faria xixi nas saias diante do método bolchevique.

Esse método, como bem mostrou Leonard Shapiro no seu clássico de 1960, “The Communist Party of the Soviet Union”, nascia da centralização radical, da disciplina impiedosa, do desrespeito pela lei, da criação da guerra civil como estratégia de desestabilização absoluta da sociedade russa de então e da hipótese, provada como certa àquela altura, de que quem fosse mais violento e cruel levaria o poder na Rússia.

“BIOGRAFIA” DO PC – O livro foi publicado em 1960 e sua segunda edição saiu em 1970. Essa distância no tempo garante uma perspectiva ainda não contaminada pela derrocada do partido comunista soviético. Shapiro escreve seu livro, nas palavras dele mesmo, “como uma biografia do partido, como se este fosse uma pessoa”.

Apesar do culto envergonhado a figuras como Lênin, Trótski ou Stálin, a verdade é que o método bolchevique hoje seria demais para a esquerda, que se vê como moralmente superior, enquanto os bolcheviques se viam como um partido cuja missão era destruir o sistema russo de então e empregar qualquer ação necessária para isso.

Muito longe da suposição de que eram moralmente superiores, eles se viam como capazes de fazer todo o trabalho sujo necessário.

LINGUAGEM NEUTRA – A esquerda hoje está preocupada em impor linguagem neutra e conseguir espaços identitários na máquina de exploração capitalista. Ela se esconde sob a batina de papas progressistas.

Há ainda um complicador que atrapalha a aplicação do método bolchevique hoje. A Europa vivia um caos geopolítico àquela altura. A revolução de 1917 estava no meio da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. No caso específico do Brasil, a América Latina hoje é pura várzea geopolítica. Ninguém dá a mínima bola.

Vejamos um bom exemplo. Se pensarmos na crítica que Serge Latouche faz sobre a economia do “fetiche do PIB”, como ele se refere em seu “La Décroissance”, de 2019 — O Decrescimento —, percebemos que ele tem razão em muitas coisas que diz. A vida esmagada pelo imperativo categórico de ou cresça ou desapareça, asfixia esta à qual estamos todos submetidos. A economia da produtividade é uma catástrofe existencial e espiritual.

Mas, como garantir medicina avançada, comida para bilhões de pessoas, sistemas de comunicação “de ponta” —termo superbrega, aliás—, mobilidade global, sem a pressão da produtividade?

VIOLÊNCIA E MEDO – Latouche fala de desenvolver a solidariedade entre as pessoas. Piada? Um dos males ao qual ele se refere é a “colonização do imaginário social pelo fetiche da produtividade”. Aqui ele segue de perto um “ancestral” da defesa do decrescimento que foi Cornelius Castoriadis (1922-1997), filósofo, economista e psicanalista.

Mas, como realizar a “decolonização” —”décolonisation”— desse imaginário? Ninguém tem a mínima ideia. A mentira dos intelectuais reside aqui: blábláblá de livros e salas de aula, nada além disso.

A proposta de Latouche acaba morrendo na praia, como todas as utopias políticas. Simplesmente não há maneira de mudar o mundo e as pessoas pela educação, pelo audiovisual, pelo teatro ou pela democracia. A natureza humana —aquela mesma que não existe— só responde à violência e ao medo. Os bolcheviques sabiam disso, mas nem assim deu certo.

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